AUTISMO EM MULHERES

Índice


Introdução

Por muito tempo, o autismo foi visto como uma condição predominantemente masculina. No entanto, pesquisas mais recentes mostram que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se manifesta de maneiras diferentes em homens e mulheres, o que torna o diagnóstico em meninas e mulheres um verdadeiro desafio. Essa dificuldade muitas vezes leva a diagnósticos tardios, impactando diretamente o bem-estar e o autocuidado.

Neste post, vamos explorar, com base na expertise da Dra. Eunice Nóbrega Portela, Doutora em Educação/Psicologia Social (UnB), Psicanalista Clínica/Neuropsicóloga. Detém especializações em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)  e na revisão da literatura especializada, os motivos pelos quais o autismo em mulheres é mais difícil de diagnosticar, discutindo as manifestações únicas, as causas e impactos do diagnóstico tardio, e o caminho importante após a confirmação do TEA.


Subtítulo 1: As Manifestações Únicas do Autismo em Mulheres

A forma como o autismo se apresenta em mulheres e meninas pode ser bem diferente daquela observada em homens. Algumas características que podem “mascarar” ou dificultar a percepção incluem:

  • Habilidades Sociais (Aparentemente) Mais Desenvolvidas: Muitas mulheres autistas desenvolvem estratégias complexas para imitar comportamentos sociais observados em pessoas neurotípicas. Isso é o que chamamos de “masking” ou “camuflagem”. Elas podem aprender “roteiros” sociais, forçar contato visual ou imitar expressões para se encaixar, gastando uma energia enorme nesse processo.
  • Interesses Específicos Diferentes: Enquanto o estereótipo do autismo inclui interesses em temas como trens, dinossauros ou programação (muitas vezes associados a meninos), os interesses específicos em mulheres autistas podem ser mais variados e socialmente aceitos ou até esperados para o gênero, como paixão por literatura, artes, animais, ou até mesmo interesses intensos em cultura pop ou relacionamentos interpessoais (analisados de forma sistemática, quase como um estudo).
  • Dificuldades de Comunicação Sutis: As dificuldades podem não ser a ausência de fala ou interação, mas sim desafios em entender entrelinhas, ironias, sarcasmo, ou em iniciar/manter conversas recíprocas de forma espontânea.

Essas diferenças fazem com que as características autistas em mulheres passem despercebidas ou sejam interpretadas de forma diferente por pais, educadores e até mesmo profissionais de saúde.


Subtítulo 2: O Impacto Profundo do Diagnóstico Tardio

Ser diagnosticada com autismo apenas na adolescência ou vida adulta é uma realidade para muitas mulheres. Esse atraso não é inofensivo e pode ter sérias consequências:

  • Saúde Mental Fragilizada: A pressão constante para “mascarar”, a falta de compreensão de si mesma e as dificuldades sociais sem suporte adequado aumentam o risco de ansiedade, depressão, transtornos alimentares, transtornos de humor e burnout autista. É comum que mulheres autistas busquem ajuda inicialmente por questões de saúde mental, e o autismo só seja descoberto depois.
  • Desafios na Adaptação: Sem o suporte e as adaptações necessárias, a vida escolar, social e profissional pode ser extremamente difícil, levando a isolamento e dificuldades de inserção.
  • Crise de Identidade: Descobrir o autismo tardiamente pode gerar uma reavaliação de toda a vida. Sentimentos de alívio por finalmente entender “por que sou assim” misturam-se com luto pelo tempo perdido sem o autoconhecimento e o suporte adequados.

Subtítulo 3: Por Que o Atraso Acontece? As Causas Principais

O diagnóstico tardio não é culpa de ninguém, mas resultado de uma combinação de fatores:

  • Falta de Conscientização e Treinamento: Profissionais de saúde e educação nem sempre estão treinados para reconhecer as nuances do autismo em mulheres.
  • Critérios Diagnósticos Históricos: Os critérios tradicionais foram, por muito tempo, baseados em estudos majoritariamente com meninos, não capturando a apresentação feminina do TEA.
  • O Poder da Camuflagem (Masking): A capacidade de “atuar” como neurotípica pode ser tão eficaz que esconde os sinais internos de esgotamento e dificuldade.
  • Viés de Gênero: Estereótipos de gênero podem levar a interpretações equivocadas dos sintomas. Traços autistas podem ser confundidos com timidez, ansiedade, problemas de personalidade ou características típicas do temperamento feminino.

Subtítulo 4: O Caminho Após o Diagnóstico: Autocuidado e Bem-Estar

Receber um diagnóstico de autismo, mesmo tardiamente, pode ser um divisor de águas. É o ponto de partida para uma jornada de autoconhecimento, aceitação e busca por bem-estar.

  • Aceitação é o Primeiro Passo: Entender o diagnóstico permite que a mulher ressignifique suas experiências passadas, compreenda suas necessidades e desafios sob uma nova luz.
  • Desenvolvendo Estratégias de Autocuidado: Com a compreensão do autismo, é possível identificar e implementar práticas que realmente ajudem, como gerenciar sobrecarga sensorial, estabelecer rotinas previsíveis, gerenciar energia social e encontrar formas saudáveis de lidar com o estresse. O autocuidado se torna personalizado para as necessidades autistas.
  • Buscando Suporte Adequado: Grupos de suporte (online ou presenciais) com outras pessoas autistas, terapia (como Terapia Cognitivo-Comportamental adaptada para autistas) e o suporte da família e amigos são fundamentais para reduzir o isolamento e promover o senso de pertencimento.
  • Intervenções e Adaptações: Entender as próprias necessidades permite buscar adaptações no ambiente de trabalho, estudo ou em casa, facilitando a vida diária e permitindo que a mulher autista floresça.

Conclusão:

O autismo em mulheres é uma realidade que precisa ser mais compreendida e reconhecida. A dificuldade no diagnóstico tem impactos significativos, mas o diagnóstico, mesmo tardio, abre portas para o autoconhecimento, aceitação e busca por suporte adequado.

É fundamental que a sociedade, incluindo profissionais de saúde e educação, adote uma abordagem mais sensível ao gênero e esteja atenta às diferentes manifestações do autismo. Ao fazer isso, garantimos que mulheres e meninas autistas recebam o suporte que precisam para viver suas vidas plenamente e alcançar seu potencial.


Quer saber mais? Veja as fontes que inspiraram este artigo:

Bishop-Fitzpatrick, L., Minshew, N.J., & Eack, S.M. (2017), Lai, M.C., Lombardo, M.V., Auyeung, B., Chakrabarti, B., & Baron-Cohen, S. (2015), PORTELA (2025a), PORTELA (2025b)   

Eúnice Nobrega

Possuo pós-doutorados em Psicanálise (Miami-FL, EUA) e em Psicanálise Clínica (IESS-BR), doutorado em Educação/Psicologia Social (UnB), e é Psicanalista Clínica/Neuropsicóloga. Com especializações em Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Análise do Comportamento Aplicada (ABA), Saúde Mental e Orientação Educacional, além de ser Psicopedagoga Clínica. Atuo como Professora Universitária em Programas de Graduação e Pós-Graduação (Lato Sensu e Stricto Sensu). Além de ser pesquisadora, escritora e palestrante.

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